O feto pode experimentar a dor desde a metade da gravidez. Estudos do
grupo J. Fisk do Royal College de Londres (5) demonstraram que já por
volta da metade da gravidez, se picarmos o feto com uma agulha (neste
caso para lhe fazer uma transfusão), obteremos um aumento de produção
das hormonas de stress no sangue da criança: cortisol, endorfina,
adrenalina, etc. Isto só acontece se picarmos uma zona enervada
(fazendo a análise da veia intra-hepática) e não se picarmos uma zona,
que, por definição, não tem cútis ou receptores sensoriais da dor
(neste caso, o cordão umbilical), o que demonstra que o aumento do
nível hormonal não é casual, mas depende da estimulação de receptores
sensoriais da dor.
As vias da sensibilidade à dor estão, de facto, bem presentes desde a
metade da gravidez e podem funcionar se estimuladas. O problema é que,
ao contrário, as vias antagónicas da dor, ainda não estão bem
desenvolvidas: cada um de nós tem em si vias de antagonização da dor,
que dependem da produção de hormonas (endorfina, com acção semelhante
à morfina) e também da activação de vias nervosas que provêm do
cérebro. Não existindo estas possibilidades ainda amadurecidas, mas
estando já presentes as vias de condução da dor e as substâncias que
conduzem este estímulo às células (como a «substância P»), o estímulo
será paradoxalmente mais perturbador do que numa criança maior! É
necessário saber que até aos anos 80, também a dor do recém-nascido
não era reconhecida «oficialmente»; pelo contrário, era totalmente
negada, com todas as consequências que se podem imaginar. Foram os
trabalhos de K. J. Anand (6) que abriram o caminho ao reconhecimento
da dor neo-natal e à urgência de proceder a uma anestesia e à
aplicação de analgésicos aquando da realização de intervenções
cirúrgicas. Os conhecimentos que hoje em dia possuímos fazem-nos
recuar ainda mais no tempo e exigem que prestemos atenção à dor da
pequena criança prematura de 400 gramas e do pequeno feto com o mesmo
peso! Hoje está-se a pensar sobre qual é o melhor caminho para
administrar analgésicos ao feto durante intervenções dolorosas: se é
melhor dá-los à mãe para que passem depois para o líquido amniótico,
ou se é melhor injectá-los directamente no saco amniótico e fazê-los
absorver, ou ainda se é melhor administrá-los directamente com uma
injecção directa no feto.
Notas:
(1) Mennella J. A. , Jagnow C. P. , Beauchamp G. K., Prenatal and
post-natal flavor learning by human infants, Pediatrics 2001; 107 (6):
E88.
(2) Hepper P.Q., Fetal memory: does it exist? What does it do?, Acta
Paediatr Suppl. 1996; 416: 16-20.
(3) Bellieni C. V., Cordelli D. M., Bagnoli F., Buonocore G., 11-to
15-Year-old children of women who danced during their pregnancy, Biol.
Neonate 2004; 86 (1): 63-5.
(4) Negri R., La «memoria fetale» nella «care» del neonato pretermine
in incubatrice, Ped. Med. Chir. 2003; 25: 13-22.
(5) Giannakoulopoulos X., Sepulveda W., Kourtis P, Glover V, Fisk N.
M., Fetal plasma cortisol and beta-endorphin response to intrauterine
needling, Lancet 1994, 9; 344 (8915): 77-81.
(6) Anand K. J., Hickey P. R., Pain and its effects in the human
neonate and fetus, N. Engl. J. Med. 1987 Nov. 19; 317 (21): 1321-9.
(7) Bellieni C. V., Bagnoli F., Buonocore G., Alone no more: pain in
premature children, Ethics Med. 2003; 19 (1): 5-9.
(8) Als H., Duffy F. H., McAnulty G. B., Rivkin M. I., Vajapeyam S.,
Mulkern R.V., Warfield S. K., Huppi P. S., Butler S. C., Conneman N.,
Fischer C., Eichenwald E. C., Early experience alters brain function
and structure, Pediatrics 2004;113 (4): 846-57.
(9) World Health Organisation, Proposed international guidelines on
ethical issues in medical genetics and genetic services, Geneva: Who,
1998.
Por Prof. Carlo Valerio Bellieni
* Neonatologista e Docente de Terapia Neo-natal
in Studi cattolici, nº 530, Abril de 2005, pp. 273-275
[tradução realizada por pensaBEM.net]