A memória do feto

O feto tem a capacidade de perceber o mundo circundante antes ainda de
vir ao mundo: no útero materno vive uma vida intensa de sensações,
aprende, recorda, sonha. São os resultados da investigação científica
mais avançada, ilustrados aqui pelo Prof. Carlo Valerio Bellieni,
neonatologista de fama internacional, que desenvolve a sua actividade
em Sena, no Hospital Le Scotte e na Universidade, onde ensina Terapia
neo-natal na Escola de especialização de Pediatria. Entre as suas
numerosas publicações, assinalamos o recente volume «L'alba dell'"io".
Dolore, desiderio, sogno, memoria del feto» [ndt.:«A aurora do "eu".
Dor, desejo, sonho, memória do feto»] (Società Editrice Fiorentina,
2004), sobre o qual propomos aqui uma síntese elucidativa. Um livro
que oferece considerações rigorosas que defendem o reconhecimento do
embrião como pessoa também do ponto de vista médico. De facto, da
fenomenologia da vida fetal descrita por Bellieni com chamadas de
atenção pontuais para a literatura biomédica, emerge a ideia de que já
não é possível considerar o feto como um mero apêndice da mãe e que os
dados de facto científicos devem, portanto, ser aplicados na prática;
isto significa garantir assistência e protecção jurídica ao nascituro,
a partir do momento em que o óvulo e o espermatozóide se unem dando
origem a um novo ser humano.

O mundo pré-natal: um mundo cheio de sensações! Já não é apenas o
romantismo da mãe que diz isto, pois o mesmo é afirmado também, de
maneira concorde, pela investigação científica mais avançada. Até aos
anos 80, pensava-se que o ventre materno era uma espécie de
caixa-forte, no qual o feto-embrião se desenvolvia sem manter relações
com o exterior. Hoje sabemos que isso não é verdade; pelo contrário: a
parede do útero, no qual o feto está envolvido, é uma espécie de
filtro que deixa passar precisamente os estímulos necessários para o
correcto desenvolvimento do sistema nervoso do feto. Com efeito, é
justamente para isto que serve a recepção dos estímulos antes ainda do
nascimento: para fazer crescer harmoniosamente o pequeno cérebro do
feto, para o forjar. De facto, os estímulos interagem com este e
ajudam a seleccionar o conjunto de neurónios que já não servem e a
fazer desenvolver, por sua vez, aqueles que são «úteis». É necessário
saber que o número máximo de neurónios (células nervosas) no decurso
da nossa vida já está presente desde... os últimos 3 meses antes do
nascimento, ou seja, desde a vigésima oitava semana de gestação.
Mas os estímulos que o feto–embrião recebe antes do nascimento têm
também um importante objectivo: o de o habituar à vida que encontrará
cá fora, no ambiente exterior. Com efeito, o feto tem memória. Não é
uma memória consciente, até porque para a poder exprimir ele teria,
pelo menos, de conseguir falar..., mas são muitíssimas as provas de
que os estímulos que recebe antes do nascimento são recordados à
distância no tempo pelo bebé.

Que memória tem o feto?
Basta pensar que alguns investigadores verificaram que se as mães,
durante a gravidez, têm uma dieta à base de cenoura, após o nascimento
da criança, na altura do desmame, esta tenderá a procurar papas
precisamente à base de cenoura (1). Sabemos também que se, durante a
gravidez, a mãe está habituada a comer um molho de sabor particular,
após o nascimento da criança, na altura da mamada, a aplicação de uma
gota daquele mesmo molho no mamilo favorecerá o impulso da criança
para tomar o seio e iniciar a mamada.
Sabemos também que o feto se recorda dos sons (2): na altura do
nascimento, sabe distinguir perfeitamente a voz da sua mãe da voz de
uma mulher estranha; dentro do útero, a voz da mãe chega a uma
intensidade 6-7 vezes maior do que a de quem se encontra a falar perto
da mãe... e acalma-o. Com efeito, se fizermos com que um bebé escute
novamente uma música que a mãe ouvia durante a gravidez (estando
portanto também ele/ela no ventre), isso terá um poder calmante quando
a criança se encontra num estado de agitação. Alguns pensaram usar
despropositadamente esta capacidade de memória do feto para o
«condicionar» antes do nascimento, talvez com o «bom objectivo» de lhe
ensinar algumas «coisas úteis»: estas tentativas não têm produzido
qualquer resultado, mas são até um risco potencial porque podem
interferir no desenvolvimento psicológico da pessoa com o fim de ter
uma «uma tranquilização a nosso bel prazer».
O fenómeno da sensibilidade fetal foi também estudado através da
análise dum grupo de mulheres que, durante a gravidez, tinham tido de
permanecer acamadas, de um grupo de controlo e dum terceiro grupo de
mulheres que, por motivos profissionais, tinham tido uma actividade
motora intensa durante a gravidez: bailarinas profissionais.
Verificou-se que para adormecer as crianças deste último grupo de
mães, era necessário embalá-las energicamente, como se elas tivessem
necessidade de sentir novamente aqueles movimentos «particulares» que
tinham experimentado durante a gravidez (3). Um grupo de Milão estudou
as diferenças de comportamento fetal de gémeos através do uso de
ecografias e notou que estas diferenças pré-natais se reflectiam no
comportamento dos bebés também após o nascimento (4).

Notas:
(1) Mennella J. A. , Jagnow C. P. , Beauchamp G. K., Prenatal and
post-natal flavor learning by human infants, Pediatrics 2001; 107 (6):
E88.
(2) Hepper P.Q., Fetal memory: does it exist? What does it do?, Acta
Paediatr Suppl. 1996; 416: 16-20.
(3) Bellieni C. V., Cordelli D. M., Bagnoli F., Buonocore G., 11-to
15-Year-old children of women who danced during their pregnancy, Biol.
Neonate 2004; 86 (1): 63-5.
(4) Negri R., La «memoria fetale» nella «care» del neonato pretermine
in incubatrice, Ped. Med. Chir. 2003; 25: 13-22.
(5) Giannakoulopoulos X., Sepulveda W., Kourtis P, Glover V, Fisk N.
M., Fetal plasma cortisol and beta-endorphin response to intrauterine
needling, Lancet 1994, 9; 344 (8915): 77-81.
(6) Anand K. J., Hickey P. R., Pain and its effects in the human
neonate and fetus, N. Engl. J. Med. 1987 Nov. 19; 317 (21): 1321-9.
(7) Bellieni C. V., Bagnoli F., Buonocore G., Alone no more: pain in
premature children, Ethics Med. 2003; 19 (1): 5-9.
(8) Als H., Duffy F. H., McAnulty G. B., Rivkin M. I., Vajapeyam S.,
Mulkern R.V., Warfield S. K., Huppi P. S., Butler S. C., Conneman N.,
Fischer C., Eichenwald E. C., Early experience alters brain function
and structure, Pediatrics 2004;113 (4): 846-57.
(9) World Health Organisation, Proposed international guidelines on
ethical issues in medical genetics and genetic services, Geneva: Who,
1998.

Por Prof. Carlo Valerio Bellieni
* Neonatologista e Docente de Terapia Neo-natal
in Studi cattolici, nº 530, Abril de 2005, pp. 273-275
[tradução realizada por pensaBEM.net]

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