O Filme Million Dollar Baby e a Eutanásia


Vi recentemente o filme de Clint Eastwood «Million Dollar Baby» galardoado com quatro Óscares de Hollywood. Independentemente da qualidade da obra, o seu argumento aborda o tema da eutanásia de uma forma que me parece digna de reflexão.

A eutanásia ou, em sentido lato, o suicídio-assistido, apresenta-se neste filme como um acto de misericórdia e de compaixão perante o sofrimento de uma doente vítima de uma doença grave e incurável (eutanásia piedosa).

Um dos argumentos mais usados em defesa da eutanásia corresponde: «ao sofrimento da pessoa». O sofrimento é muitas vezes visto como algo indigno, desumano, motivo de vergonha e que por isso deve ser banido a qualquer preço! Neste contexto, a eutanásia passa ser a interpretada como um gesto de misericórdia. Esta «piedade hipócrita» esconde, por vezes, um sentimento egoísta e injusto, já que considera que os mais fracos, as vítimas do infortúnio e aqueles que simplesmente envelhecem já não têm lugar nesta sociedade. Ou seja, no caso de surgirem ideias de suicídio nestes indivíduos não se procura demovê-los, nem auxiliá-los. Nestas situações prevalece um espírito de condescendência e compreensão, já que o sofrimento e desespero em que se encontram conduzem automaticamente a um estatuto de «suicidas justificados».

Então, mas não serão também estes os motivos (sofrimento e desespero) que levam a maioria dos indivíduos a cometerem o suicídio?

Actualmente, temos um exemplo extraordinário de resistência e de coragem face ao sofrimento: «O Papa João Paulo II». Estou convicto que, a sua atitude de entrega, generosidade, determinação e abnegação, servirá de alento e de esperança para muitos doentes que se encontram numa situação idêntica de incapacidade e sofrimento. Esta é sem dúvida uma postura que vai contra a corrente actual, de que a vida só merece ser vivida enquanto existir juventude, beleza e saúde.

É interessante observar que, é quase consensual que o suicídio não deve ser encorajado e que se deve proteger o indivíduo de causar a morte a si próprio. E, por que é que não existe consenso à volta da eutanásia? Desde Robbins (1959) que se verificou que cerca de 94% das pessoas que se suicidam apresentavam alterações psicopatológicas. Deste modo, estariam privadas da capacidade necessária (em termos mentais) para avaliar em consciência e em liberdade, a decisão de se suicidarem. Sabemos ainda que subsistem várias doenças mentais tratáveis – como é o caso da depressão – por detrás do desejo de morrer. Desta forma, a existência de um «suicídio racional» é algo controverso. Curiosamente, a história dá-nos um exemplo extraordinário a este respeito. Durante a segunda guerra mundial, a esmagadora maioria dos prisioneiros dos campos de concentração, mesmo sendo submetidos a um sofrimento atroz e às mais diversas torturas raramente se suicidavam.

Para a personagem do filme Maggie Fitzgerald (Hilary Swank) só valeu a pena lutar pela vida – suportar o sofrimento e todos os sacrifícios – enquanto teve oportunidade de sucesso, protagonismo, reconhecimento público e riqueza. Infelizmente, ao desistir de viver acabou por desperdiçar a sua maior vitória: a conquista do amor puro, genuíno e verdadeiro de Frankie Dunn (Clint Eastwood).

Por isso, neste filme, a eutanásia não é uma prova de amor, mas antes a sua recusa!


(Pedro Afonso)

Lei e selva