Os tribunais condenam os médicos que não 'conseguem' matar as crianças
no ventre materno...
Um novo caso na Escócia reabriu o capítulo das condenações contra os
médicos que cometeram o 'erro' de não abortar os seus pacientes, ou
porque falharam ao tentarem fazê-lo, ou porque se enganaram na
realização do diagnóstico pré-natal e, pensando que o feto era
saudável, salvaram, paradoxalmente, a vida da criança. Agora, estes
médicos terão de pagar uma indemnização.
«Hoje eu tenho uma filha e não deveria tê-la». Quem fala assim é uma
jovem escocesa de 20 anos que apresentou queixa contra o hospital onde
praticou um aborto em 2001, o qual não foi realizado com sucesso. Ia
ter gémeos, e um dos bebés nasceu. A mãe denuncia que o hospital não
se assegurou que o aborto tivesse sido executado com êxito.
A mãe, Stacy Dow, exige do Hospital Público de Pearth uma indemnização
de 250.000 libras esterlinas (cerca de 365.000 euros) pela «carga
financeira» necessária para criar a sua filha.
O caso de Dow não é excepcional. Não são poucos os casos de pais que
denunciam os hospitais por causa de abortos que não foram executados
com «êxito» e que acabaram no nascimento da criança, ou por causa de
erros no diagnóstico pré-natal, que fazem com que os pais levem a
gravidez até ao fim, o que não aconteceria se tivessem sabido a tempo
que o seu filho iria nascer enfermo, pois tê-lo-iam abortado.
O certo é que os tribunais lhes estão a dar razão em muito casos,
tanto em países como a Grã-Bretanha e em França, como em Espanha.
Dá-se assim o paradoxo de que os hospitais pagam aos pais
indemnizações por serem «culpados» das crianças continuarem vivas. Na
própria Grã-Bretanha, uma mulher da cidade de Stafford, obteve do seu
cirurgião, este mesmo ano, 36.000 libras pelo nascimento do seu bebé,
que supunha ter sido abortado.
O «Caso Perruche»
Em França, as sentenças pelo «erro de ter nascido» começaram já há
vários anos com o «caso Perruche», quando Josette Perruche, grávida,
fez o teste da rubéola, o qual deu negativo. Mas tratou-se de um erro
médico; consequentemente, o seu filho nasceu com graves sequelas. A
mãe tinha advertido o médico de que, caso ela tivesse a rubéola,
queria abortar. Os pais recorreram ao juiz e obtiveram uma pesada
indemnização pelos «danos emocionais» que o erro médico lhes provocou.
Mais tarde, apresentaram outro pedido em nome do seu filho, pelo facto
de ter sido prejudicado pelo «erro de ter nascido». O Supremo Tribunal
francês deu-lhes razão em Novembro de 2000.
O caso comoveu a opinião pública, e os médicos que fazem exames
pré-natais realizaram uma greve. Finalmente, a Assembleia Nacional
concordou em rever o «caso Perruche» e aprovou um projecto de emenda,
que não permitiria que as crianças denunciem o 'erro' de terem
nascido, mas sim os pais.
O advogado que representou o Estado, Jerry Sainte-Rose, defendeu que
aceitar este pedido supunha reconhecer a existência de um direito a
«não nascer» e inclusive o risco de eliminação sistemática dos fetos
afectados por uma deficiência. O advogado do Estado rejeitou a
hipótese de que se possa atribuir ao nascimento de uma pessoa - ainda
que tenha uma grave deficiência - o carácter de prejuízo merecedor de
uma indemnização.
Mas o Supremo Tribunal francês reconheceu o que chamou «direito das
crianças a não nascer deficientes», o que significa que, se uma
criança não é abortada porque os médicos não se deram conta de que
podia nascer com algum tipo de problema, a criança pode ser
indemnizada.
Em Espanha
Em Espanha, a Comunidad [que corresponde ao nosso Concelho] de
Valência foi condenada em 2004 a pagar 150.000 euros a uma mulher que
ficou grávida com 39 anos, e à qual não se fizeram os exames
pré-natais que se prescrevem quando a gravidez pode apresentar riscos,
nem se informou a senhora de que, na sua idade, é muito frequente que
as crianças nasçam com síndroma de Down, como no final aconteceu.
A sentença do Tribunal afirma que o facto causou à família um
«profundo» dano moral, bem como «desassossego» e «falta de
tranquilidade» pelo nascimento da criança. Se tivessem sido feitos os
exames, a senhora teria abortado, e assim não teria sofrido esse
«profundo» dano.
Esta decisão judicial enquadra-se nas sentenças que estão a começar a
ser frequentes em muitos países, e que fazem referência ao «erro» de
ter nascido uma criança. Em Espanha, só se deram casos de sentenças
por causa de queixas apresentadas pelos pais devido ao nascimento de
uma criança, a qual não abortaram por não terem recebido informações
suficientes; porém também já se dão casos em que os filhos que
nasceram denunciam os médicos. No caso julgado em Valência, bem com em
todos os deste tipo, ninguém duvida que a criança teria nascido em
qualquer caso com a síndroma de Down. O erro não foi de tratamento, já
que não há tratamento possível, mas sim de diagnóstico. A única coisa
que poderia ter acontecido, em vez do nascimento da criança, era que a
sua mãe tivesse abortado.
A sentença de Valência assinala que os médicos caíram numa «grave
omissão» uma vez que não informaram a mulher grávida do seu estado e
das possibilidades que o seu filho tinha de nascer com problemas de
saúde. Por isso, os juizes consideraram os médicos responsáveis.
O que diz a Igreja
Segundo o Catecismo da Igreja Católica, o diagnóstico pré-natal é
«moralmente lícito», excepto quando se prevê, «em função dos seus
resultados, a eventualidade de provocar um aborto. Um diagnóstico não
pode ser equivalente a uma sentença de morte» (n. 2274).
Por outro lado, nem todos os tribunais compartilham a mesma
jurisprudência. Uma sentença da Audiência Provincial de Cádiz
[Espanha], de 2002, afirma: «parece absolutamente correcta a tese de
que a vida, isto é, o nascimento de uma criatura, nunca pode ser
considerada um dano. O dano não é o nascimento do filho. Para além de
repugnar a natural consideração das coisas, de que a vida de um ser
possa ser qualificada assim, o nascimento de uma criatura não é
consequência da actuação do médico. O feto fica doente da enfermidade
antes e à margem da actuação dos profissionais».
Miguel Jaque, in Alba-semanário d'información nº 31, 6-12 de Maio de
2005, p. 16
[Tradução realizada por pensaBEM.net]