Os pais de Charlotte, uma bebé inglesa de dois anos, conseguiram ontem
que um tribunal de segunda instância determinasse que a criança seja
reanimada, caso vier a sofrer uma crise grave. Desde que nasceu,
Charlotte sofre de problemas graves nos rins, pulmões e coração, de
lesões no cérebro e só consegue respirar com administração constante
de oxigénio. Mas esta decisão não significa uma vitória total para a
família.
Há um ano, o tribunal tinha dado autorização aos médicos para não
reanimarem a bebé, uma posição que motivou a fúria dos pais. Agora,
família e clínicos acordaram que só uma falha cardíaca justificará a
não reanimação. Todas as restantes situações clínicas que venham a
acontecer foram classificadas de menos graves e devem, por isso, ser
assistidas. Mesmo assim, o juiz sublinhou que os médicos não podem ser
obrigados a agir contra a sua consciência. Contudo, os pais têm de ser
primeiro consultados e, qualquer decisão que a equipa médica tome, tem
que levar em conta a opinião paternal, a consciência profissional e a
evidência científica.
A decisão do tribunal foi decretada no dia do segundo aniversário de
Charlotte e, para os pais, "foi a melhor prenda que lhe podiam ter
dado". A criança, que nunca deixou o St. Mary's Hospital onde nasceu,
"pode agora continuar a sua vida e voltar para casa", acrescentaram,
num comunicado à imprensa. "Já não temos esta grande nuvem negra a
pairar nas nossas cabeças", afirmou o pai, Darren Wyatt, à saída do
tribunal.
"Costuma dizer-se que não há vencedores nestes casos, mas aqui há uma
hipótese de a Charlotte vir a transformar-se na vencedora se os seus
pais aproveitarem esta decisão de forma construtiva e restaurarem a
sua confiança no médico", afirmou o juiz. O que não acontece desde que
a primeira decisão judicial foi tomada.
Contudo, a porta-voz do St. Mary's Hospital leu um comunicado
sublinhando que "não se pede aos médicos que ajam contra os interesses
da Charlott".
"Na prática, isto significa que os pediatras vão continuar a trabalhar
com os pais e espera-se que cheguem a um entendimento sobre o
tratamento a dar-lhe em cada etapa", disse. Mas defende que "se houver
um desentendimento futuro, há uma posição muito clara do tribunal de
que os médicos não são obrigados a ventilar a criança quando isto não
for o melhor para ela."
Da primeira vez que o tribunal foi chamado a intervir, a posição
adoptada foi diferente. O juiz entendeu que os médicos não estariam a
violar a lei se, no caso de uma crise que colocasse a vida da bebé em
perigo, decidissem que o melhor para Charlotte seria não ventilar.
Durante o segundo julgamento - que se estendeu por dois dias - um dos
profissionais que acompanham a criança afirmou em tribunal que "ela
não vive de forma nenhuma em sofrimento". Contudo, mostrou-se
reticente sobre o tratamento a dar-lhe caso sofra de colapso de alguma
das suas funções vitais.
Charlotte nasceu em Outubro de 2003 três meses antes do termo da
gravidez. Pesava apenas 0,45 quilos e media 12,5 centímetros. Apesar
de o prognóstico não lhe ser favorável, a criança sobreviveu e, de
acordo com os pais, a sua condição física não tem parado de melhorar e
hoje já sorri e tenta falar. Aos dois anos, Charlotte está ao mesmo
nível de desenvolvimento que um bebé de dois ou três meses.
Fonte: Diário de Noticias em 22/10/2005