Na passada terça-feira, o senhor ministro da Saúde anunciou que vai
recorrer a clínicas privadas para garantir às mulheres portuguesas um
aborto legal, quando este não é "resolvido" nos hospitais públicos.
Assim, seria prosseguido o "interesse público", torneando o alegado
incumprimento da lei naquelas instituições e a invocação de objecção
de consciência por parte dos médicos. Não sabemos bem se esta é uma
determinação do Governo ou o desabafo de uma aspiração pessoal do
senhor ministro com os jornalistas. De qualquer modo, trata-se de uma
orientação "chocante", precipitada e perigosa, como passo a explicar.
Em primeiro lugar, não está provado que em Portugal os hospitais
incumpram a lei. Não se conhecem números, queixas, relatórios, etc.
Infelizmente, sobre esta matéria pouco ou quase nada sabemos. Por isso
mesmo, é da maior importância o famoso estudo encomendado pelo
Parlamento para conhecer realmente a realidade do aborto (legal e
clandestino) em Portugal, que finalmente foi aprovado. Parece que o
senhor ministro prefere as suas suspeitas.
Por outro lado, não se vê porque é que nas clínicas privadas estaria
garantida a uniformidade de critérios que se alega faltar nos
hospitais públicos. Não se compreende porque é que os critérios que
seriam seguidos nas clínicas privadas seriam mais justos, razoáveis ou
equilibrados que os que vigoram nos hospitais públicos. Nem se percebe
porque é que nas clínicas privadas haveria menor recurso à objecção de
consciência.
Será que se está simplesmente a tentar legalizar um conjunto de
clínicas que não só trabalham em Portugal de forma ilegal como
praticam o aborto a pedido? A notícia de terça-feira neste jornal "Não
dá jeito agora o bebé, não é?..." parece apontar nessa direcção.
É difícil perceber qual é a ordem de prioridades deste Governo e, em
particular, do senhor ministro da Saúde, nos assuntos relacionados com
a saúde dos Portugueses. Há dias afirmava ser "irrelevante" que
milhares de Portugueses estejam em lista de espera para cirurgias nos
hospitais. Porque não se lembrou o senhor Ministro de protocolar estas
cirurgias com clínicas privadas? Não são estas do interesse público?
Ou será que na base desta preocupação do senhor Ministro da Saúde com
o "interesse público" está a secreta esperança de que as clínicas
privadas não sejam demasiado escrupulosas e dispensem pruridos de
consciência? Assim, o senhor Ministro conseguiria liberalizar o
aborto, na prática, passando-o para o sector privado e para a
opacidade, a expensas dos contribuintes.
E porquê esta prioridade nas vésperas de um referendo que se assume
vir a liberalizar o aborto? Porque a liberalização do aborto, para
alguns, corresponde a uma obsessão ideológica uma obstinação radical
em recusar o valor intrínseco da vida humana. Senhor ministro: é isto
o "interesse público"?
Opinião de: Alexandra Teté
Fonte: Diário de Noticias em 30/06/2005