Neste e noutros referendos sobre o aborto a única resposta que faz
sentido, corresponde aos desejos do coração humano.
São muitos os argumentos para negar pertinência a um novo referendo
sobre o aborto. O direito à vida, como primeiro e condição dos
restantes direitos humanos, não pode ser, por uma questão de
princípio, objecto de referendo a não ser que desejemos recuar séculos
na história e deitar fora todas as noções de dignidade e igualdade das
pessoas humanas. Em 1998 o povo português já decidiu e a única coisa
que mudou foi a "subida de tom" dos abortistas e o empenho de uma
comunicação social que lhes é francamente favorável. Antes do último
debate parlamentar em Março de 2004 os partidários do novo referendo
andaram oito meses, com exaustiva cobertura dos "media", para recolher
122 mil assinaturas, enquanto aqueles que se opõe a uma modificação da
actual lei, reuniram 217 mil assinaturas em apenas quatro semanas. E
por ai adiante. Mas, paradoxalmente, faz falta mais do que um
referendo sobre o aborto. Faz falta que a questão se ponha realmente
na sociedade portuguesa e de uma vez por todas sejam obtidas respostas
inequívocas. Isto é que todos os dias os portugueses, e quem nos
governa, se ponham e respondam à questão: "Concorda que em Portugal
seja possível uma mulher dizer: "eu abortei porque não encontrei quem
me ajudasse"?". Ou "Concorda que o trabalho de apoio às grávidas em
dificuldade e no acolhimento de crianças que a sociedade civil
desenvolve, não encontre quase nenhum apoio do Estado?". Ou "Concorda
que o Estado não sinta qualquer responsabilidade perante uma rapariga
pressionada pelos seus parentes ou um namorado irresponsável a
abortar, e a deixe sem ninguém a quem recorrer?". Ou "Concorda que o
Estado esteja disposto a dar mensalmente 50 contos a uma família de
acolhimento de uma criança e os negue aos pais da mesma?".
Como também faz falta outro referendo com a pergunta: "Concorda que o
problema do aborto não seja conhecido na sua real extensão, para além
dos discursos ideológicos, e que a realização de um estudo, consensual
entre todos os partidos, com excepção dos comunistas, se arraste na
Assembleia da República?". Na mesma ocasião (seguindo o princípio da
poupança eleitoral) se poderia juntar algumas outras perguntas, como,
por exemplo: "Concorda que sistematicamente aconteça na sociedade
portuguesa que os "técnicos" e os "moderados" digam "vamos consentir
nisto como excepção e não como prática recorrente" e depois se
verifique, como aconteceu na pílula do dia seguinte, que a prática é
generalizada, os números assustadores e se está perante um "rombo" nas
políticas de saúde pública?".
Ou então "Concorda que Portugal seja o único país do mundo onde se faz
um escândalo pelo facto de mulheres serem julgadas, em claro
desrespeito pelos mais elementares princípios da igualdade de
género?". Poder-se-ia na mesma ocasião perguntar ainda: "Concorda que
grupos de radicais vão para a porta dos tribunais dizerem que fizeram
abortos as pessoas que estão lá dentro a defenderem-se da acusação,
negando a prática desse crime?" ou "Concorda que seja considerado
apenas um assunto de mulheres, a gravidez e o aborto, apesar de ser do
mais elementar conhecimento que existem sempre homens envolvidos?".
Por fim, uma última pergunta: "Concorda que um Governo que no seu
programa se afirma determinado a mudar o regime legal do aborto, não
tem uma linha sobre o apoio social às grávidas em dificuldade e não
mais de cinco linhas sobre a educação para a cidadania e a saúde?".
Neste e noutros referendos sobre o aborto a única resposta que faz
sentido, corresponde aos desejos do coração humano e não tenta dobrar
a realidade a propósitos ideológicos, é a de um rotundo Não! Todos os
dias, empenhando as nossas vidas, essa é a campanha que fazemos, num
referendo diário, pela defesa da Vida.
(António Pinheiro Torres)
Fonte: Publico em 30/03/2005